21 de janeiro de 2014

Autismo e Periodização do Desenvolvimento


O processo de desenvolvimento é comumente visto como uma sucessão de etapas, na maior parte das vezes delimitadas por idades cronológicas determinadas. Mas como é possível fixar uma cronologia se a cultura, a época e a história de vida de cada um interferem nas experiências e influenciam o desenvolvimento? Como é possível ainda empregar a mesma cronologia para indivíduos com transtornos que interferem no desenvolvimento, como o autismo?
O livro “Um Mundo à Parte” de Jodi Picoult apresenta a história de Jacob Hunt, um adolescente de 18 anos diagnosticado com síndrome de Asperger que apresenta dificuldades para interpretar pistas sociais, se expressar diante dos outros e tem fixação por um único tema: análise forense. Quando a orientadora dele, Jess, é assassinada, Jacob se torna o principal suspeito e não há dúvidas de seu envolvimento pelo menos no encobrimento do crime.  Apesar de se tratar de uma ficção e de nem todas as informações presentes na obra sejam precisas, o livro põe em discussão o fato de que mesmo tendo idade suficiente para responder pelos seus atos, Jacob não apresenta algumas características, como o entendimento abstrato das leis e da moral implícita, que normalmente estão presentes na etapa de desenvolvimento em que ele se encontra.

Um mundo à parte capa Jodi
Fonte: http://o-livreiro.com/confira-a-capa-de-um-mundo-a-parte-novo-livro-de-jodi-picoult/

O problema de considerar o desenvolvimento como uma sucessão de etapas universais reside na ideia de que essa perspectiva não leva em consideração as particularidades de cada indivíduo. “Sem levar em conta aspectos da história cultural e individual dos sujeitos, essa perspectiva não contempla a multiplicidade de possibilidades de desenvolvimento humano, nem tampouco a própria essência do desenvolvimento, que é a transformação” (OLIVEIRA & TEIXEIRA, 2002, p.26).
No caso apresentado no livro, o problema está no fato de que, legalmente, Jacob já pode ser considerado adulto, no entanto, ele não se comporta ou se vê como tal. “A idade, embora seja uma variável útil e necessária para definir responsabilidades jurídicas e para a programação e implementação de políticas públicas, não é (e não pode ser) tomada de forma universal, descontextualizada e a-histórica” (MEDRADO, 2011, p.25).
O problema de se considerarem etapas fixas e estabelecer comportamentos padrões para essas etapas pode ser visto também no filme “Adam”, já comentado aqui no blog, que apresenta a estória de um homem com síndrome de Asperger. No filme, Adam, apesar de ser um adulto, não é capaz de lidar com situações consideradas “normais” para a etapa de desenvolvimento em que se encontra, como morar sozinho e arrumar um emprego.
Se torna necessária uma maior atenção para o contexto e as características e peculiaridades individuais ao se considerar as diferentes etapas do desenvolvimento, especialmente na fixação de idades específicas para delimitar tais etapas. No caso das pessoas com autismo, tais observações se tornam especialmente importantes, visto que o transtorno afeta diferentes aspectos do desenvolvimento e não se apresenta de forma única em todos os indivíduos afetados.
Mas atenção! Considerar tais peculiaridades não significa subestimar as capacidades de indivíduos com autismo! Pessoas com esse transtorno têm grandes possibilidades de desenvolverem diversas habilidades desde que sejam estimuladas para tal. Um bom exemplo disso é Carly Fleischmann, uma menina com autismo não-verbal que, embora tenha sida considerada pelos médicos como uma criança que jamais ultrapassaria as habilidades de uma criança pequena, surpreendeu a todos quando utilizou um computador para avisar aos pais que estava com dor e em seguida escreveu um livro junto ao pai para contar sua história.
Em resumo, é necessário considerar as peculiaridades de cada indivíduo (não só aqueles que possuem autismo), considerando o contexto e as características individuais que afetam seu desenvolvimento e não considerar apenas as etapas fixadas como padrão. Não esquecendo, contudo, que todos os indivíduos, mesmo aqueles que apresentam transtornos sérios do desenvolvimento, podem se desenvolver de forma satisfatória desde que recebam os estímulos necessários.

      

Referências:
MEDRADO, B. Adolescência, juventude, pré-adolescência, adultescência... Entre modelos culturais ideais e a ruptura com os padrões etários que (de)limitam lugares. In: LYRA, J.; SOBRINHO, A.; RIBEIRO, C.; CAMPOS, T.; LUZ, L.; MEDRADO, B. (Orgs.).  Adolescência em movimento: traços, tramas e riscos. Recife: Instituto PAPAI/MAB/Canto Jovem, 2011, p. 23–40.

OLIVEIRA, M. K.; TEIXEIRA, E. A questão da periodização do desenvolvimento psicológico. In: OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D. T. R.; REGO, T. C. (Org). Psicologia, Educação e as temáticas da vida contemporânea. 1 ed., São Paulo: Editora Moderna, 2002, p. 23-46.

Um comentário:

  1. Achei ótimo que conseguissem realizar esta crítica e acredito que nossas conversas contribuíram pra isso. A periodicização por si só não é um problema, mas nos pautarmos exclusivamente nela, e darmos a ela uma consideração determinística, de imutabilidade, de naturalidade, sim! Abs

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