15 de fevereiro de 2014

Entrevista com a mãe de uma criança com autismo

     A postagem de hoje será um pouco diferente das anteriores. Hoje você poderá ter a oportunidade de se aproximar, ainda que virtualmente, da história real de um menino que possui autismo.  A entrevista a seguir foi realizada pelos administradores do blog com Aline, a mãe de Guilherme.  A nossa proposta é fazer com que o leitor possa compreender melhor as maiores dificuldades que as mães e os familiares enfrentam ao lidar cotidianamente com uma pessoa que possui autismo, além de conhecer como o diagnóstico de Guilherme foi realizado, quais foram os primeiros sintomas apresentados, os métodos e técnicas de intervenções utilizadas e etc. Dessa maneira, você poderá fazer um link com os temas que foram expostos por nós ao longo do blog e a história real de Aline e seu filho Guilherme.

Guilherme e Aline - Fonte: Arquivo pessoal de Aline

Entrevista

Nome e idade da mãe entrevistada: Aline, 24 anos.
Nome e idade do filho: Guilherme, 5 anos.

1.    Quando você notou os primeiros sintomas? Que sintomas eram esses? 
Aline: Com 1 ano, sacudia as mãos quando assistia, atraso na fala, emitia sons tipo ‘um um’ com objetos redondos e não gostava de pessoas.

2.    Como e quando foi feito esse diagnóstico? 
Aline: Primeiro pela pediatra e neurologista com 1 ano e 2 meses e só com 3 anos com a psiquiatra.  

3.    Você foi informada sobre o grau de severidade? 
Aline: Sim, grau light pelo pediatra do Imip.

4.    Quais foram as medidas tomadas depois do diagnóstico? Algum tratamento específico?
Aline: Procurar tratamento, psicoterapia, fonoaudióloga e terapia ocupacional. 

5.    Quais as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia da família? 
Aline: Antes dele falar  tinha dificuldade em compreender o que ele queria. 

6.    Seu filho frequenta alguma escola ou instituição de ensino?
Aline: Sim.

7.    É um local adaptado para crianças com esse transtorno?
Aline: Não, mas tem inclusão.

8.    Foi difícil procurar um local adequado?
Aline: Sim, muito.

9.    Você percebe alguma melhora com os tratamentos? Se sim, com relação a que aspectos? Como ele era antes do tratamento e como ele está hoje?
Aline: Sim, na fala, na interação com outras pessoas. Não falava, não aceitava as  pessoas (só eu e a avó materna), não gostava de sair de casa, só queria tá assistindo, não brincava nem só nem com outras crianças. 

10. Em sua opinião, qual tratamento foi mais eficaz? 
Aline: Escola, psicoterapia e os estímulos em casa. 

11. O que você espera para o futuro do seu filho? 
Aline: Que estude, consiga chegar a uma universidade, se forme, trabalhe e case mesmo com suas limitações. 

12. Você gostaria de falar mais alguma coisa? 
Aline: Ele teve uma grande evolução depois que me dediquei somente a ele, deixando de trabalhar para ficar com ele. E não adianta só o tratamento clínico, o que mais ajuda é o estimulo em casa e nunca excluir a criança. Pois frequento todos os lugares que crianças "normais" frequentam e ele sabe o que fazer em cada um desses lugares (praia, shopping, cinema, parque aquático, parque de diversões...). 

Guilherme - Fonte: Arquivo pessoal de Aline
Comentários:
                 
     Como pode ser visto na entrevista, Guilherme apresentou desde cedo os sintomas clássicos do autismo: comprometimento na fala, comportamentos estereotipados (“emitia sons tipo ‘um um’ com objetos redondos”) e possuía dificuldades de interação social (“não aceitava as  pessoas”). Além disso, a mãe relata que o diagnóstico foi feito precocemente (com 1 ano e 2 meses) o que, provavelmente, contribuiu para que as capacidades de Guilherme fossem estimuladas  e potencializadas o mais cedo possível. A mãe comenta ainda que Guilherme recebe tratamentos de vários profissionais (psicóloga, fonoaudióloga e terapeuta ocupacional), reforçando o que já foi comentado aqui no blog anteriormente, sobre a importância da atuação de uma equipe multidisciplinar que estimule as habilidades particulares de cada pessoa que possui autismo.

      O relato de Aline sobre a dedicação exclusiva ao filho e a importância dos estímulos externos para que o seu desenvolvimento ocorra da melhor forma, nos lembra uma cena do filme que conta a história verídica da Temple Grandin, na cena ela diz que sempre foi estimulada pela mãe que a fazia praticar alguns exercícios linguísticos em casa e alguns trabalhos na casa da sua tia durante o período das férias. Temple diz que sempre foi tratada pela família como diferente, mas nunca como inferior. Essa forma de olhar é importante para que alguns esteriótipos ainda existentes na nossa sociedade sejam quebrados, melhorando assim, a qualidade de vida das pessoas portadoras de autismo.


13 de fevereiro de 2014

Azul é a cor do autismo

Diante da necessidade de um maior entendimento sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que ainda hoje é visto de uma maneira errônea e estereotipada por parte da sociedade, a Organização as Nações Unidas (ONU) reservou o dia 02 de abril para ser lembrado como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. 
Desde 2008, esse dia é utilizado como uma forma de estimular debates sobre o TEA, com o objetivo de atrair uma maior atenção, alerta e comprometimento político à síndrome. De acordo com a ONU, segundo a Revista Autismo, o TEA atinge cerca de 2 milhões de brasileiros, sendo em sua maioria pessoas do sexo masculino, em uma proporção de 4 meninos para 1 menina. Devido a isso, a cor azul foi adotada para representar o autismo, visto que ela é socialmente relacionada aos homens. Assim, todo ano vários locais do mundo adotam a cor como forma de conscientização sobre o transtorno.
Em uma matéria sobre a comemoração do ano de 2012, A Revista Autismo afirmou:
O Brasil fez o maior evento de sua história para a data no ano passado (2011) em todos os Estados. E agora, em 2012, repete-se com ainda mais força, monumentos serão iluminados de azul na data, como o Cristo Redentor (no Rio de Janeiro), a Ponte Estaiada, o Viaduto do Chá, o Monumento à Bandeira, a Fiesp e a Assembleia Legislativa (em São Paulo), a torre da Unisa do Gasômetro (em Porto Alegre), o prédio do Ministério da Saúde (em Brasília) e muitos outros locais. No mundo estarão iluminados também vários cartões-postais, como o Empire State Building (nos Estados Unidos), a CN Tower (no Canadá) entre outros — é o movimento mundial chamado "Light It Up Blue", iniciado pelos estadunidenses.


Locais iluminados para a comemoração do dia 02 de Abril

Cristo Redentor – Rio de Janeiro 

Monumento em Nova Délhi – Índia 

Palácio do Campo das Princesas – Recife 

Torre da Globo Nordeste - Recife


Cartaz do Dia Mundial de
Conscientização do Autismo 2013 – Revista Autismo


Fonte: http://www.revistaautismo.com.br/DiaMundial


11 de fevereiro de 2014

Neurofeedback e Autismo

            Não é novidade para ninguém que vivemos atualmente em um período de intensas modificações e desenvolvimento tecnológico. Na área da saúde, esse avanço tecnológico tem possibilitado o surgimento de novos instrumentos que auxiliam tanto no diagnóstico quanto no tratamento de diversas doenças. O neurofeedback é uma dessas inovações tecnológicas que, apesar de não ser muito conhecida, constitui uma ferramenta promissora para minimizar alguns dos sintomas de várias desordens neurológicas, psiquiátricas, psicológicas e do desenvolvimento, incluindo o autismo.

Mas afinal, o que é neurofeedback?

Antes de discutirmos sobre o que é o neurofeedback em si, é importante deixar claro que o funcionamento do cérebro ocorre por meio de pequenas descargas elétricas entre células nervosas, denominadas neurônios. Essas descargas elétricas dão origem a ondas cerebrais e influenciam o nosso comportamento e orientação no mundo.
Dito isto, o neurofeedback é uma técnica não invasiva que busca, por meio do treinamento, reestabelecer um equilíbrio dos padrões de ondas cerebrais e promover mudanças no modo de funcionamento do organismo (DIAS, 2010).  Em outras palavras, essa técnica permite, além de detectar a atividade elétrica do cérebro, regular os padrões de onda que estão alterados e promover mudanças comportamentais através do treinamento direto do cérebro..


Como funciona? 

Fonte: http://autism-nutrition.com/autism-neurofeedback-training

            O neurofeedback funciona da seguinte forma: eletrodos são colocados em lugares específicos do couro cabeludo do paciente, o que permite detectar a atividade elétrica do cérebro que pode ser visualizada na tela de um computador em tempo real. O profissional então treinará a pessoa, através de jogos computacionais ou de videogames, por exemplo, a aumentar ou a diminuir a produção de ondas cerebrais onde o eletrodo está fixado, promovendo assim, alterações comportamentais e emocionais. 

Assim que uma criança aprende a controlar e a melhorar os padrões de ondas cerebrais, as pontuações dos jogos aumentam e o sucesso [nessa atividade] ocorre. A única maneira da criança obter sucesso nos jogos é melhorar as suas funções de ondas cerebrais (COBEN, LINDEN E MYERS, 2009, p. 92. Livre tradução).
          
            Neto (2012) acrescenta que o que está sendo treinado, na verdade, no caso do neurofeedback é o funcionamento das conexões que ocorrem entre os neurônios. Essas conexões podem ser alteradas devido à capacidade que o nosso cérebro possui em realizar modificações adaptativas. “Essa dinâmica que se caracteriza por reorganizações e mudanças no cérebro, devidas às experiências ou lesões, é conhecida por plasticidade cerebral ou neuroplasticidade” (GAZZANIGA & HEATHERTON, 2005. In NETO, 2012, p. 265). 

Indicações

    Segundo o site das psicólogas Flávia Muratori e TâniaMuratori, a terapia do neurofeedback pode ser utilizada nos seguintes casos:
  • Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH;
  • Problemas de aprendizagem (como a Dislexia e Discalculia);
  • Perturbações do desenvolvimento;
  • Controle de crises convulsivas na epilepsia;
  • Prevenção de cefaleias de tensão e enxaquecas;
  • Ansiedade e estresse;
  • Depressão e outros transtornos do humor;
  • Perturbações do sono e etc.
Neurofeedback e autismo

            Coben, Linden e Myres (2009), afirmam que através do neurofeedback as pessoas aprendem a inibir padrões de ondas cerebrais que são produzidas de forma excessiva (gerando efeitos negativos), diminuindo ou aumentando essas frequências alteradas (produzindo efeitos positivos). Esses efeitos negativos estão relacionados aos sintomas presentes nos diversos problemas neurológicos, psiquiátricos, psicológicos e do desenvolvimento. Os efeitos positivos, por outro lado, dizem respeito à sensação de bem-estar decorrentes da minimização dos sintomas. No caso do autismo especificamente, estudos apontam que o uso dessa tecnologia podem melhorar alguns dos sintomas.

Alguns estudos:
  • Revisão da literatura feita por Coben, Linden e Myres (2009) – estudos realizados entre 1995 a 2005 com pacientes autistas indicam melhora nas habilidades atentivas, no comportamento motor, impulsividade, na socialização, comunicação, desempenho acadêmico/escolar e etc. (Livre tradução).
  • Thompson, Thompson e Reid (2009) – O estudo realizado com pessoas que possuem a Síndrome de Asperger demostrou que o neurofeedback produz efeitos positivos, na medida em que ajudam a diminuir os sintomas de dificuldade de atenção e ansiedade, além de melhorar habilidades acadêmicas, intelectuais e sociais.  (Livre tradução).
  • Sichel, Fehmi e Goldstein (1995) - Esse estudo de caso realizado com um menino autista de oito anos revelou que após várias sessões de neurofeedback, o mesmo demonstrou melhoras significativas na comunicação (apesar de sua verbalização continuar limitada); passou a expressar mais afeição e estabelecer contato visual; passou a atentar e reagir à presença dos outros; apresentou melhoras no sono; diminuição dos sintomas de ansiedade, dos comportamentos estereotipados e dores de cabeça. Ele também passou a participar mais de brincadeiras que usavam a imaginação. (Livre tradução).

            É importante ressaltar que, apesar desses estudos apontarem os possíveis efeitos positivos trazidos pelo uso do neurofeedback, eles não são conclusivos. É necessário que sejam realizadas novas investigações, principalmente na população brasileira, visto que a maioria das publicações sobre o assunto foram produzidas fora do Brasil. Contudo, não restam dúvidas de que o uso desta tecnologia constitui um campo promissor para o tratamento de alguns dos sintomas do autismo. 



Referências:
COBEN, R.; LINDEN, M.; MYERS, T. E.  Neurofeedback for Autistic Spectrum Disorder: A Review of the Literature. Appl Psychophysiol Biofeedback, Spring, 2009.

DIAS, A. M. Tendências de neurofeedback em psicologia: revisão sistemática. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 4, p. 811-820, 2010.

MURATORI, F; MURATORI, T. O que é Neurofeedback? Disponível e: <http://psiconeuro.wordpress.com/o-que-e-neurofeedback/>. Acessado em: fevereiro de 2014.


NETO, J. D. O Neurofeedback como Recurso Neuropsicoterápico para o Transtorno do Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade e Impulsividade. Revista FSA – Teresina, n° 9, 2012.

SICHEL, A. C.; FEHMI, L. G.; GOLDSTEIN, D. M.  Positive Outcome with Neurofeedback Treatment in a Case of Mild Autism.  Journal of Neurotherapy, 1995.

THOMPSON, L.; THOMPSON, M.; REID, A.  Neurofeedback Outcomes in Clients with Asperger’s Syndrome. Appl Psychophysiol Biofeedback, Spring, 2009.

8 de fevereiro de 2014

Autismo em diferentes abordagens

            Aqui no blog, fizemos uma publicação sobre as possíveis causas que podem estar associadas ao autismo. Contudo, ainda hoje parece não haver um consenso em relação aos fatores ligados ao desenvolvimento do transtorno. Até mesmo dentro da própria psicologia, as origens etiológicas do autismo são compreendidas através de diversos olhares. Neste sentido, nessa publicação iremos abordar como o autismo é visto em diferentes abordagens da psicologia.

Teoria Psicanalítica:

De acordo com Bosa e Callias (1999) “a preocupação da maioria dos psicanalistas tem sido mais a de descrever o funcionamento mental, os estados afetivos e o modo como essas crianças se relacionam com as pessoas do que com questões etiológicas” (p.3).
Dentro da abordagem psicanalítica há diferentes postulados e pressupostos que procuram explicar o autismo. Para Melanie Klein, pioneira no tratamento da psicose infantil, “o autismo era explicado em termos de inibição do desenvolvimento, cuja angústia decorria do intenso conflito entre instinto de vida e de morte [...]. O bloqueio da relação com a realidade e do desenvolvimento da fantasia, que culminaria com um déficit na capacidade de simbolizar, seria então, central à síndrome” (BOSA E CALLIAS, 1999, p.4).
Margaret Mahler, psiquiatra e psicanalista americana, também trouxe contribuições para o estudo das psicoses infantis. Segundo Bosa e Calias (1999):

Mahler desenvolveu suas ideias sobre os autismos infantis a partir de sua teoria evolutiva, explicando o autismo como sendo um subgrupo das psicoses infantis e uma regressão ou fixação a uma fase inicial do desenvolvimento de não-diferenciação perceptiva, na qual os sintomas que mais se destacam são as dificuldades em integrar sensações vindas do mundo externo e interno, e em perceber a mãe na qualidade de representante do mundo exterior (p.5).

            Dentro dessa perspectiva, o autismo foi compreendido como uma reação da criança à rejeição materna, uma cisão do ego resultando em uma desorganização dos processos adaptativos e integrativos, uma consequência de uma falta de manifestações espontâneas de sentimentos por parte das mães, uma ausência da fronteira psíquica originada na dificuldade de diferenciar o inanimado e o animado, entro outras (BOSA E CALLIAS, 1999). Assim, nessa perspectiva:

Concebe-se a criança autista como vivendo em um estado mental caracterizado por insuficiente diferenciação entre estímulos vindos de dentro ou de fora do corpo e incapacidade para construir representações emocionais. Dessa forma, todo estímulo (social e não-social) seria experienciado como sendo fragmentado, impedindo a possibilidade de formação de uma experiência contínua, seja quando só ou na presença de outros (BOSA E CALLIAS, 1999, p.4).

Teorias Neuropsicológicas e de Processamento da Informação:

            Hermelin e O’Connor foram os pioneiros (e inspiraram diversos trabalhos) na testagem de como as crianças que possuem autismo processavam informações sensoriais em situações de testes de habilidades motoras e de memória.

Eles concluíram que essas crianças mostravam déficits cognitivos específicos, tais como: problemas na percepção de ordem e significado, os quais não poderiam ser explicados por deficiência mental; dificuldades em usar input sensorial interno para fazer discriminações na ausência de feedback de respostas motoras; e tendência a armazenar a informação visual, utilizando um código visual, enquanto as crianças com desenvolvimento normal usavam códigos verbais e/ou auditivos. Particularmente surpreendentes foram as respostas dessas crianças aos estímulos auditivos - a intensa resposta fisiológica a sons contrastava com a passividade geralmente demonstrada por essas crianças em situações envolvendo tais estímulos (BOSA E CALLIAS, 1999, p.14).

Teoria da Mente:

Uma das propostas de explicação para o autismo é a de que esses indivíduos teriam prejuízos na habilidade de desenvolver uma teoria da mente. “Teoria da mente significa a capacidade para atribuir estados mentais a outras pessoas e predizer o comportamento das mesmas em função destas atribuições” (BOSA E CALLIAS, 1999, p.10).
Essa hipótese que tenta entender o autismo a partir do ponto de vista psicológico foi desenvolvida pelos pesquisadores Uta Frith, do Instituto de Neurociência Cognitiva da Universidade College de Londres, e Simon Baron-Cohen.

Segundo essa tese, a principal anormalidade do autismo é a incapacidade de construir elaborações sobre a mente alheia. Existe no cérebro um circuito neuronal especializado que nos permite pensar sobre nós mesmos e sobre o outro – e assim criar formulações sofisticadas, prevendo o comportamento de seus semelhantes. Essa compreensão oferece respaldo à capacidade de cooperar e aprender com o próximo. Em suma, possibilita a interação social. A maioria das pessoas autistas, no entanto, não compreendem que cada um tem os próprios pensamentos e pontos de vista e um modo único de ser. Consequentemente, elas não entendem crenças, emoções e atitudes alheias (MENTE & CERÉBRO, 2013).

A Teoria Comportamental:

            A teoria comportamental tem como objetivo intervir nos comportamentos disfuncionais, para controla-los e modifica-los ou instalar comportamentos desejados. Duas propostas de tratamento derivadas dessa abordagem, ABA e TEACH (já comentadas aqui no blog), são amplamente usadas no tratamento do autismo. Segundo o blog Psicanálise,autismo e saúde pública (2013), essas propostas terapêuticas tem como objetivo:

a) a promoção de um desenvolvimento normal dos aspectos cognitivo, linguístico e social; b) a promoção da aprendizagem; c) a redução da rigidez e da estereotipia; d) a eliminação dos comportamentos desadaptados inespecíficos; e) o alívio do sofrimento familiar e f) a educação e a conscientização da comunidade para a aceitação do indivíduo.

            Ainda segundo esse blog, essa abordagem propõe um método baseado nas leis que governam o comportamento. Assim, suas propostas

Entendem que os comportamentos são operantes, ou seja, quando um indivíduo se comporta, esse comportamento opera sobre o ambiente, promovendo uma resposta do ambiente que funciona como reforçador positivo ou negativo para esse comportamento. Assim, os reforçadores ocupam um lugar primordial nesse tipo de atendimento (PSICANÁLISE, AUTISMO E SAÚDE PÚBLICA, 2013).

A terapia comportamental com pessoas que apresentam autismo se baseia no condicionamento do comportamento, para eliminar comportamentos indesejados e reforçar os desejados, se baseando em reforços positivos e negativos.



Referências:
BOSA, C.; CALLIAS, M. Autismo: breve revisão de diferentes abordagens, 1999. Disponível em:<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/veiculos_de_comunicacao/PRC/VOL13N1/17.PDF>. Acessado em: Fevereiro de 2014.

MENTE & CÉREBRO. A teoria da mente, 2013. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_teoria_da_mente.html>. Acessado em: fevereiro de 2014.

PSICANÁLISE, AUTISMO E SAÚDE PÚBLICA. Conhecendo outras abordagens no tratamento do autismo, 2013. Disponível em: <http://psicanaliseautismoesaudepublica.wordpress.com/2013/04/12/conhecendo-outras-abordagens-no-tratamento-do-autismo/>. Acessado em: Fevereiro de 2014.


6 de fevereiro de 2014

O poder da mídia e o autismo

Mídias como desmistificação:
Uma boa ideia, coragem e interação no Brasil

Em Curitiba, na escola municipal Padre Carmelo Perrone , essas palavras são postas em prática. O professor Edson Gavazzoni, desenvolveu um projeto para criar uma Rádio na escola que levou jovens a descobrirem novas profissões e superar limitações.
Um aluno em especial, Lucas, portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA), conquistou certa independência, admiração e respeito dos colegas, professores e familiares, por seu destaque acima da média na locução de um programa da Rádio. Um dos colegas da rádio comenta: “Eu acho que o nosso prodígio (o Lucas), dos narradores não tem como dizer que ele não é o melhor (...) voz insuperável aqui no colégio”.
A rádio trouxe outras contribuições para o desenvolvimento de Lucas, como o ganho de maior independência: hoje, Lucas faz o caminho de casa para a escola sozinho, ao contrário de antes quando ele precisava ser acompanhado, relata sua mãe.  A matéria de TV completa sobre a criação da rádio pode ser vista aqui.
A ideia de que pessoas portadoras do TEA não conseguem avançar em seu desenvolvimento faz parte do passado. Quanto mais cedo o diagnóstico do TEA for realizado, maiores são as possibilidades dos indivíduos desenvolverem suas capacidades e conquistarem maior autonomia.
Susan Boyle, cantora escocesa de 52 anos, assumiu publicamente que é portadora da Síndrome de Asperger, uma forma do TEA. A cantora conta como foi difícil ser diagnosticada erroneamente na infância e da coragem de, hoje com o diagnóstico correto, enfrentar os desafios desta condição, realidade esta que não a impediu de emocionar a todos com sua belíssima voz em um reality show de calourosbritânico “Britain’s Got Talent”. 
Em uma entrevista para a Folha de São Paulo, o psiquiatra Estevão Vadasz, coordenador do programa de transtornos do espectro autista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, afirma que: “o TEA atinge estimados 2 milhões de brasileiros - uma população três vezes maior do que a portadora de Síndrome de Down. Contudo, os autistas no Brasil são invisíveis. A população não sabe o que é, a maioria dos profissionais não sabe do que se trata” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013).
A mídia, em especial a televisão, é um canal de contato com grande parte da população, interferindo de forma marcante na opinião do público sobre os mais diversos assuntos. Além disso, a mídia pode influenciar a formação de estereótipos e fortalecer as desigualdades (GOMES, 2001). Dessa forma, a criação de imagens irrealistas sobre os transtornos do espectro autista pela televisão pode aumentar as práticas de intolerância e preconceito.
Nos comentários realizados por Jungman de Castro (1999) sobre as relações entre discurso, poder e ideologia difundidas por Norman Fairclough, o autor afirma que o discurso da mídia tende a ser uma produção massificante e homogeneizante:

Na impossibilidade de se adaptar aos diversos setores da sociedade, os meios de comunicação normalmente se dirigem a um ‘sujeito ideial’... um sujeito idealizado e estereotipado, criando um círculo vicioso que, atendendo apenas a interesses comerciais, presta um enorme desserviço à educação, à cultura e à cidadania (p.5).

Um exemplo desse tipo de imagem estereotipada sobre o autismo apareceu em um dos programas de comédia da MTV que abordou o tema de forma muito negativa e desumana, acarretando uma série de problemas. A fim de retratar-se, a emissora exibiu um documentário sobre os autistas e a vida de seus familiares.
Por outro lado, se for usada da melhor forma, a mídia pode ajudar inúmeras pessoas a conhecerem e lidarem melhor com o TEA; orientando portadores e familiares, ajudando também a acabar com mitos e preconceitos que envolvem este transtorno do desenvolvimento. Um exemplo disso foi à série de reportagens exibidas no Fantástico, conduzidas pelo Doutor Dráuzio Varela sobre o autismo. 
Ainda hoje há muitos estigmas que precisam ser superados em relação aos transtornos do espectro autista. A mídia de forma geral pode ser um meio tanto para a propagação de ideias errôneas sobre diferentes temáticas, como uma maneira útil de transmitir informações de forma acessível a toda à população, contribuindo para o entendimento mais claro acerca do transtorno e ajudando a acabar com o preconceito.


Referências:
Biderman, I. Dois milhões de brasileiros afetados pelo autismo ganham proteção da lei. Folha de São Paulo, 15 de jan. de 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/01/1214573-dois-milhoes-de-brasileiros-afetados-pelo-autismo-ganham-protecao-da-lei.shtml>. Acessado em: Fevereiro de 2014.

GOMES, P. B. M. B. Mídia, imaginário de consumo e educação. Educação & Sociedade, ano 22, n. 74, abril. 2001.

JUNGMANN DE CASTRO, R. Comentário sobre relações entre discurso, poder e ideologia em Langue and Power, de Norman Fairclough. Recife: UFPE, 1999. 

3 de fevereiro de 2014

A Síndrome de Savant


           A Síndrome de Savant, também denominada Savantismo, é uma síndrome muitas vezes associada ao autismo, pois aparece em 10% dos autistas. Ela também pode ocorrer quando há lesões ou malformações cerebrais, mas isto só ocorre em 2% dos casos. Essa Síndrome foi primeiramente descrita pelo médico Langdon Down, que estudou casos de dez pessoas que na época chamou de idiots savants (ou sábios idiotas), pois o que eles tinham em comum era uma inteligência de forma geral comprometida e, no entanto, habilidades específicas extremamente desenvolvidas (MESQUITA, 2007).
            As causas da Síndrome não são muito esclarecidas, mas cientistas vêm observando que há uma grande relação com deficiências no hemisfério esquerdo do cérebro, o que forçaria o hemisfério direito a tentar compensar essas falhas. Essa teoria poderia explicar o fato de essa Síndrome acometer quatro vezes mais homens do que mulheres: “durante o desenvolvimento do cérebro, o hemisfério esquerdo desenvolve-se mais lentamente, correspondendo ao período no qual é mais vulnerável, e o organismo do homem possui maior nível de testosterona, que pode ser tóxica ao desenvolvimento de tecido cerebral" (FREITAS, OLIVEIRA E SOUZA).
     Essa teoria pode ser observada com base em estudos de caso de pessoas portadoras dessa síndrome, pois algumas das habilidades mais desenvolvidas por elas são ligadas ao hemisfério direito do cérebro, dentre elas, segundo Mota (2007):

·      Habilidades Musicais (Inteligência Musical);
·      Habilidades Artísticas (Pintura, Escultura, etc.);
·      Matemática (cálculos matemáticos);
·      Metodologia de Cálculos Elaborados;
·      Memória Intensificada.

Já as funções ligadas ao lado esquerdo do cérebro são pouco desenvolvidas, como a linguagem, a fala e as relações sociais, o que ocasiona um baixo entendimento do ambiente ao redor dessas pessoas. Os indivíduos com essa Síndrome enfrentam os mesmos problemas que os outros autistas quanto às interações pessoais e muitas vezes, devido às particularidades trazidas por esta condição, essas pessoas conseguem decorar livros inteiros ou fazer cálculos matemáticos complicadíssimos sem, no entanto, saber o que significam ou como usá-los na prática do dia-a-dia.
Um dos casos mais famosos ainda hoje estudados é o do paciente chamado Kim Peek, um autista com a Síndrome de Savant que aprendeu a ler aos dois anos, sabia de cor 7.500 livros, com uma memória enciclopédia, e, no entanto, com uma séria deficiência cognitiva, pois apresentava um Q.I. de 73 e era dependente do pai aos 55 anos para fazer coisas simples, como tomar banho e se barbear.

Fonte da foto: http://en.wikipedia.org/wiki/Kim_Peek
O filme Rain Man, inspirado neste caso real, também mostra diversas habilidades que podem ser observadas no personagem vivido por Dustin Hoffman, que interpreta Raymond Babbitt, um autista com a Síndrome de Savant. Na história do filme, Charlie (interpretado por Tom Cruise), descobre que seu rico pai ao falecer deixou toda sua herança para o seu irmão autista, Raymond (Dustin Hoffman), o que o leva a sequestra-lo da instituição em que estava internado para tentar reaver o dinheiro.

Fonte da foto: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rain_Man

Raymond possui incríveis capacidades matemáticas, chegando a contar os palitos de dente que caíram no chão com apenas uma olhada e a contar cartas em Las Vegas, levando ele e seu irmão a ganharem muito dinheiro. Ele também tem uma memória acima da média, pois em determinada cena chega a decorar todos os nomes e telefones da lista telefônica, decorar livros inteiros e lembrar-se de datas com precisão.
De acordo com Izquierdo (2002), “As memórias que registram fatos, eventos ou conhecimento são chamadas declarativas” (p.22). Este é o tipo de memória que encontra-se extremamente bem desenvolvida nos casos de pessoas com a Síndrome. As habilidades de associar dados, deduzir e criar ideias possibilitam que essas pessoas evoquem informações de maneira mais sofisticada se comparados às pessoas que não possuem a Síndrome.

O primeiro vídeo a seguir mostra a incrível memória de Raymond, que se lembra do telefone da garçonete que o atende, pois decorou os números na lista telefônica (o vídeo encontra-se em inglês): 


Este segundo vídeo refere-se a uma cena que mostra sua habilidade matemática, quando Raymond conta cartas em Las Vegas (vídeo também em inglês):




Vale lembrar que nem todas as pessoas que têm a Síndrome de Savant possuem habilidades tão desenvolvidas quanto o personagem Raymond ou o paciente Kim Peek, pois os níveis dessas habilidades variam de acordo com casos, sendo classificados da seguinte forma, de acordo com Castilho e Ribeiro (2011):

Savants podem ser categorizados de acordo com o nível de habilidade: Prodigiosos, talentosos, e com fragmentos de habilidades. Aqueles ditos prodigiosos, apresentam sua habilidade de forma extraordinária, muito além do nível da população normal, contrastando com sua deficiência. Já o Savant talentoso tem habilidades acima da média, mas não é um prodígio, pois são habilidades que ocorrem de certa forma também em pessoas não autistas ou não deficientes. Por fim o Savant com fragmentos de habilidades (splinter skills), tem interesse e competência acima da média do seu nível de funcionamento, estes são mais comuns dentre os autistas (p.06).

É importante que se pense também na educação efetiva das pessoas que possuem a Síndrome de Savant, para que suas habilidades possam ser desenvolvidas e trabalhadas, mas principalmente, que as suas potencialidades gerais possam ser estimuladas, possibilitando a elas certo grau de independência e boas interações sociais. Obviamente, que isto possa ser construído na medida do possível, considerando as limitações e dificuldades encontradas por cada um.

Título Original do filme citado: Rain Man
Direção: Barry Levinson
Ano: 1988
Duração: 133 minutos
Origem: Estados Unidos


Referências:
CASTILHO, A. C; RIBEIRO, M. J. L. Síndrome de Savant: Possibilidades educacionais. 2011 Disponível em: <http://www.abrapee.psc.br/xconpe/trabalhos/1/223.pdf> Acessado em: Janeiro de 2014.

FREITAS, P.; OLIVEIRA, B.; SOUZA, J. Características e Causas da Síndrome de Savant: Inteligência e Memória na Síndrome de Savant. Disponível em: <http://www.psicologiananet.com.br/caracteristicas-e-causas-da-sindrome-de-savant-%E2%80%93-inteligencia-e-memoria-na-sindrome-de-savant/1299/> Acessado em: Janeiro 2014.

IZQUIERDO, I. Memória. Porto Alegre: Artmed, 2002.

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